Quando fui convidado para participar de uma campanha publicitária onde poderia escolher uma viagem dentro do Brasil, logo repeti o que sempre faço nos momentos em que penso em viajar pelo nosso país: olhei para a região amazônica.
É claro que esse lugar maravilhoso e cheio de frutas incrivelmente deliciosas não tem nada de exótico para os brasileiros que vivem nele e nas vizinhanças. Mas, para mim, um cara do sul, da outra ponta do país, a vida na Amazônia é o que existe de mais diferente no Brasil.
Encontrei várias possibilidades olhando para o mapa da região. Pensei em Roraima, Rondônia, Acre, Amapá, reservas ecológicas e cidadezinhas perdidas, como Fordlândia, no Pará. Mas a travessia de 1600 km entre Belém e Manaus, pulou na minha cara como a grande oportunidade.
Além de ser uma viagem que eu já desejava havia alguns anos, aparentemente nenhuma outra alternativa reunia tantas coisas que eu adoro: uma experiência completamente estranha (afinal, eu nunca havia passado tanto tempo em um barco), contato constante com pessoas e histórias, vivência de culturas diferentes, paisagens absurdamente lindas, paz e muitos dias de viagem.
Escolhi sem medo de errar. E não errei.
O transporte de barco pelo Amazonas tem uma importância impossível de se imaginar para quem nunca foi para aqueles lados e ainda não viu o tamanho que esse bicho tem.
A história desta tradição vem desde os anos 1500, quando o rio ainda era chamado de Santa María del Mar Dulce.
O primeiro navegador que fez o rio por completo só encarou o perrengue por causa de um motim dentro do seu navio. Por ordem dos seus superiores, ele deveria ter parado bem antes, ainda no Equador, a milhares de quilômetros do fim do Amazonas, mas sua tripulação queria seguir adiante e ele foi obrigado a aceitar. Em agosto de 1542, eles chegaram ao final e provaram que o rio inteiro era navegável, abrindo as portas para todos os outros que vieram depois.
Hoje, a parte brasileira deste caminho é chamada de hidrovia Solimões-Amazonas e seu tronco principal tem mais ou menos 3250 km de extensão – sem contar todas as incontáveis ramificações que avançam Amazônia adentro, é claro.
É tanta água, tantos rios, que vale lembrar de algo que é ensinado na escola, mas que as pessoas que não vivem por aqui acabam esquecendo ou confundindo: oficialmente, o Rio Amazonas brasileiro, com este nome, começa em Manaus e vai até o Oceano Atlântico.
No Peru, onde o curso d’água nasce, o trajeto muda de nome um punhado vezes e chega a ser chamado de Amazonas também, mas depois entra no Brasil, vira Rio Solimões e segue assim até a capital amazonense. Ele só volta a ser chamado de Amazonas depois de se juntar com o Rio Negro, no local do famoso “encontro das águas”, o fenômeno que gerou aquele passeio turístico clássico em Manaus.
Somando tudo isso, desde o Peru até o Oceano Atlântico, temos nada menos que o segundo maior rio do mundo em extensão (ele perde apenas para o Rio Nilo, no Egito) e o campeão absoluto em volume de água, com números tão grandes que são maiores do que a união de todos os 7 rios que vêm atrás dele no ranking.
Navegar por este gigante da natureza, cercado pela Amazônia e com toda essa importância histórica seria uma experiência incrível de qualquer maneira, mesmo se fosse em um barco particular, com todo o conforto do mundo.
As matas fechadíssimas, o verde que não acaba nunca, os animais, as casas ribeirinhas, as crianças que se aproximam em suas canoas, os botos que aparecem de vez em quando (mas nunca quando você está com a câmera na mão, a postos), a paz e o isolamento do resto do mundo já seriam muito mais do que o suficiente para fazer com que essa viagem fosse inesquecível.
Porém, navegar por tudo isso em um barco regional é zilhões de vezes mais marcante, pelo motivo que você já sabe e que eu repeti talvez até demais nos posts desta série: pelas pessoas que embarcam pelo caminho.
Não é uma viagem fácil, nem recomendada para qualquer um. É preciso estar muito aberto para interagir com os passageiros e preparado para comer refeições simples (mas ótimas), para ficar em ambientes sem nenhum luxo e para passar algumas necessidades, mesmo se você estiver em uma suíte com banheiro privativo, ar-condicionado e frigobar.
A recompensa para quem se abre e encara as limitações é uma viagem de tocar o coração, deixar saudades e fazer repensar muitas coisas.
Conviver com quem faz parte deste mundo é uma experiência de vida. E assim como muita gente não tem ideia da grandeza do Amazonas, poucos têm noção da variedade de nacionalidades e estilos dessas pessoas.
São homens, mulheres, crianças, jovens e idosos, ricos e pobres. Brasileiros, principalmente das regiões Norte e Nordeste, mas também de todas as outras. Surinamenses, guianenses, venezuelanos, colombianos, peruanos e mais todos os gentílicos que existem ao redor da região. Além, é claro, de viajantes de vários pontos do mundo, que entram nessa pela fama da travessia ou apenas porque precisam de um transporte barato mesmo, em sua viagem pela América do Sul.
Ao longo dos 6 dias da minha experiência, esse povo todo me contou muitas, muitas, muitas histórias tristes, emocionantes, engraçadas, surpreendentes e loucas.
Histórias como a do russo Dmitri, um dos caras mais queridos da minha viagem. Ele está no Brasil em uma aventura de 4 meses pela América Latina e já passou por 9 países gastando – atenção! – míseros 500 dólares.
Sua sobrevivência com tão pouco dinheiro é fruto de amigos feitos pela internet e da sua lábia incrível, que o fez viajar de graça no barco onde eu estava e também rendeu um voo de cortesia entre Santiago e a Ilha de Páscoa, no Chile. Dimitri dormiu todas as noites no chão da área do bar e aproveitou as paradas para pescar.
E quer saber o que é o mais interessante? Dmitri não é pobre. Ele tem dinheiro para fazer essa viagem com todo o conforto, mas prefere fazer assim, contando com a bondade das pessoas.
Outra história que nunca vou esquecer foi a do Geilson, brasileiro de Santarém, no Pará.
Ele estava indo para a capital amazonense apenas para pegar um ônibus para Boa Vista, em Roraima. Ia visitar o seu avô, que o criou e estava muito doente. Como o avô passava o tempo inteiro repetindo o seu nome, sua avó pediu que ele fosse até lá. Os dois não se viam havia 14 anos e Geilson chegaria de surpresa.
Mas para isso, ele teve que pedir demissão da oficina onde trabalhava havia 7 anos, porque o patrão não quis dar 2 meses de férias, mesmo ele tendo folgado apenas uma vez em todo esse tempo. Geilson não estava nem um pouco arrependido por ter largado tudo: “Quem sabe eu deixo o vô feliz e ele vive mais alguns dias, né?”. Me sinto honrado por ter recebido um abraço apertado de alguém maravilhoso como ele.
Yolanda e Humberto, colombianos que estão há 4 meses viajando de carro pela América do Sul, também me deram uma lição de vida. Eles já haviam passado por 7 países durante a sua aventura e estavam indo em direção ao oitavo, a Venezuela, de onde voltarão para casa.
Yolanda me disse que a experiência da viagem Belém-Manaus havia sido a mais profunda e a sua preferida até aquele momento. Perguntei o motivo e ela respondeu: “Porque os outros lugares são apenas lugares, são fixos. Machu Picchu está lá, Foz do Iguaçú está lá. Aqui não é assim. Isso não é uma viagem normal. Ela muda sempre. Se eu a fizer de novo, conhecerei outras pessoas. Ela nunca vai ser igual.”
Detalhe importantíssimo: Yolanda e Humberto têm 60 anos de idade. (E você aí, achando que é velho para sair pelo mundo.)
Para finalizar os exemplos de histórias e personagens, apresento o senhor Romero, outro colombiano.
Ele estava trabalhando na construção civíl, em Belém, quando foi roubado e perdeu todos os documentos. No barco, estava indo para Manaus pedir um novo passaporte no consulado do seu país. Muito humilde, estava indignado com o governo colombiano porque teria que gastar para fazer um documento novo: “Se não é para ajudar os seus cidadãos, por que abrem uma embaixada?”
Certo dia, o senhor Romero apareceu com uma camiseta onde havia uma imagem da Ponte Carlos, em Praga, junto com o nome Bedrich Smetana. Perguntei se ele sabia quem era Smetana e ele respondeu: “Claro que sei. Era um compositor tcheco, de música clássica”.
Pronto, vou parar por aqui, porque realmente não dá para contar tudo. Você vai ter que viver para saber mais e espero que a experiência que relatei em todos estes posts inspire a sua experiência.
Só vou dar uma última dica: a despedida, no porto de Manaus, dói demais. Esteja preparado para isso também.
Boa viagem.
Algumas dicas para quando você fizer a viagem Belém-Manaus.
Em Belém:
– Não recomendo que você simplesmente passe por Belém – erro que eu cometi. Mas se o tempo for curto, saiba que é possível chegar na cidade de avião e ir direto para o porto. Só não esqueça de deixar um tempo de segurança entre o seu desembarque e a saída do barco.
– Se você esquecer de algo para a viagem, é provável que encontre nas banquinhas em frente ao porto.
– O porto de onde saem os barcos é bastante simples e sem conforto. Se der, saia de lá e aproveite para passar o tempo em um dos melhores lugares de Belém: a Estação das Docas, que fica pertinho. Para ir até ela, pegue um táxi. Apesar da distância pequena, não é seguro fazê-la a pé e um táxi custa pouco.
– Não deixe para voltar ao porto em cima da hora. O trânsito pode complicar.
– Compre uma garrafa grande, de água, ainda em Belém. Pode ser que o barco tenha apenas das pequenas.
No barco:
– Leve muitos livros. Aliás, leve tudo que você nunca faz por falta de tempo. Eu organizei todo o desktop do meu computador, por exemplo.
– Por questões de segurança e de necessidade (afinal eu estava cheio de equipamentos e precisava de um lugar para escrever com calma) fiz a viagem em uma suíte, não nas área das redes. Recomendo o mesmo para casos parecidos. Larápios existem em qualquer lugar do mundo.
– Falando em larápios: não importa onde você fizer a viagem, sempre, sempre, sempre cuide dos seus pertences. Não dê mole.
– Leve um binóculo. É bom para enxergar o que acontece nas margens.
– Para fotografar, leve todas as suas lentes tele mais potentes. As margens ficam bem longe, em vários momentos.
– Leve seu próprio lençol (ao menos a parte de cima, para se cobrir) e sua própria toalha, mesmo se você for de cabine.
– Leve roupa de banho, para quando você parar em Santarém e for a Alter do Chão.
– Leve tampões de ouvido. O som não para durante o dia e sempre existem pessoas fazendo barulho à noite.
– Por mais incrível que pareça tratando-se de Amazônia, pode fazer um friozinho à noite. Esteja minimamente preparado.
– Fique ligado na mudança de horário entre o Pará e o Amazonas. O barco trabalha sempre com o horário de Brasília, o que significa que as refeições em solo amazonense acontecem 1h antes.
– É óbvio dizer isso, mas lá vai: esteja aberto a conversar com as pessoas e puxe papo. Elas são a atração mais emocionante desta viagem. Não desperdice a chance de conhecer histórias incríveis.
– Se você puder, leve uma câmera daquelas instantâneas, que imprimem a foto na hora. A criançada adora ser fotografada, mas dificilmente você vai conseguir um e-mail para enviar a imagem depois.
Em Alter do Chão:
– A viagem entre Santarém e Alter do Chão leva mais ou menos 30 minutos. Alguns taxistas do porto dizem que é longe e se negam a levar os passageiros. Siga tentando, porque não é longe não.
– Se puder, ligue para o seu Valdeci, taxista, e combine com ele. O telefone dele (confirmado em 2015) é 93 99194 0837.
– Prepare mais ou menos R$ 160 para a corrida ida e volta, desde o porto de Santarém. Tente negociar.
– Informe-se sobre o horário de saída do seu barco e também sobre os horários em que os passageiros podem entrar de novo no porto. Cuidado para não perder a partida.
Custos:
– Os preços para todos os tipos de acomodação do barco estão no site da empresa dona dele.
– Meus gasto total com lanches, cafés da manhã especiais, almoços e jantares foi de R$ 162.
Leia também:
• Belém-Manaus de barco regional – 1º dia
• Belém-Manaus de barco regional – 2º dia
• Belém-Manaus de barco regional – 3º dia
• Belém-Manaus de barco regional – 4º dia
• Belém-Manaus de barco regional – 5º dia