Desde que criei o blog “como vocês vieram morar na Holanda” é uma das perguntas que mais ouço. Eu contei pedaços da história aqui e acolá, mas o povo quer a versão completa.
Hoje eu vou dar a versão completa de como eu e a Carla mudamos nossas vidas numa série de decisões conjuntas que se interconectaram e resultaram em dois brasileiros morando em Amsterdam.
Esse artigo não é um passo a passo com receita de bolo pra você seguir. Esse artigo é para inspirar você a agir e descobrir seu próprio caminho, mudando sua vida por você mesmo (e matar a curiosidade do pessoal, claro :)).
Expatriar exige jogo de cintura e muita vontade de ir atrás das coisas você mesmo. Esperar algo pronto é a atitude errada.
Combinado? Então comecemos pelo…
1. O começo: investindo sem ter retorno imediato em vista ou qualquer motivo particular
Eu e a Carla éramos recém casados, dois moleques que juntaram os trapos e casaram por amor e idealismo, teimando contra diversos fatores contra, como falta de dinheiro, por exemplo. A Carla estava no começo de carreira, eu estava mais avançado, então meu salário basicamente sustentava a casa. Mas não sobrava muito.
Com pouca grana pra investir, queríamos aperfeiçoar nossa situação. Nessa época, a Carla não falava inglês muito bem, na verdade muito pouco. Eu também queria aperfeiçoar meu inglês, só que a grana só dava pra um de nós. Resolvemos investir em aulas particulares para ela, já que meu inglês era melhor já.
Muita gente falava que “inglês é coisa de imperialismo americano, estou no Brasil e falo português”, mas nós sabíamos que aprender outra língua é abrir portas, não apenas profissionais, mas na vida. E inglês é a língua universal agora, (já foi Latim e Francês). Apertamos o cinto e pegamos as aulas pra ela.
Isso impactou no nosso orçamento por alguns anos. Mas a Carla aprendeu inglês.
2. Percebendo os sinais se acumulando no horizonte e decidindo agir agora
Anos mais pra frente, nós tínhamos vontade de morar fora um dia, mas eu estava cursando USP a noite (Letras inglês, aliás – meu jeito de aperfeiçoar sem gastar muito), esperando um dia mudar de carreira (eu trabalhava em TI, assim como a Carla), para algo que permitisse eu trabalhar de casa e ficar com crianças, caso um dia tivéssemos filhos. Um dia eu queria viver de escrever.
(As pessoas sorriam e falavam “ahã, tá” quando eu contava).
Nossa vidinha seguia na mesma quando veio a ataque do PCC a São Paulo. Eu fiquei desesperado tentando saber da Carla, que estava presa no trânsito da cidade em caos. Uma organização criminosa havia paralisado a maior cidade do país sem muito esforço. Mortes se acumulavam.
Uns meses antes eu havia testemunhado um assassinato – uma pessoa tentou roubar a padaria em frente ao nosso prédio, foi baleada por um segurança enquanto corria. Morreu na calçada. Eu vi tudo.
Esses dois fatos me fizeram pensar, e juntar dois com dois: essa situação não tende a melhorar. Na verdade, tende a piorar e se não existe uma sociedade capaz de me manter seguro, bem… ou eu resolvo viver no estilo velho oeste, cada um por si, ou…
Chamei a Carla, conversei com ela e disse: “é melhor na verdade a gente sair do país o quanto antes. Não dá pra esperar muito. O que você acha?”
Conversamos sobre o assunto e concluímos que era o qu queríamos fazer.
3. Ligando as antenas a agarrando oportunidades: a decisão de morar na Holanda
Umas semanas depois, A Carla veio me falar de um projeto que estava recrutando há um tempo, mas que ela não tinha se interessado porque envolvia sair do Brasil, mas imediatamente, e como antes nosso plano era eu terminar a faculdade, esperar etc… ela tinha descartado. e nem era um projeto permanente, apenas seis meses.
Além disso era pra um país que nunca sequer havíamos considerado: Holanda.
Mas depois da nossa conversa ela ouviu falar de novo do projeto e resolveu falar comigo.
Pesamos prós e contras: “Holanda, que que tem na Holanda? É só por apenas seis meses, talvez um ano, vale a pena sair só um pouco? Nunca estivemos na Holanda, e quem quer mudar de cara pra um país que nunca pisou antes? E o que vamos fazer dos nossos gatos nesses meses? E…”
Ela resolveu aplicar pra vaga.
4. Hora certa e lugar certo só funciona se você se preparou antes
O projeto estava recrutando há meses, quase ninguém pegava. Por quê? Quase ninguém falava inglês fluente.
A essa altura da carreira a Carla tinha excelente currículum e sempre teve muita competência técnica – mas disseram, sem inglês nada feito.
E ela falava inglês fluente graças ao nosso sacrifício conjunto de anos atrás.
Foi aprovada. Pegamos 4 malas e fomos pra Holanda sem saber direito o que estávamos fazendo.
5. Tem hora que é preciso dar um salto de fé e arriscar mesmo
Eu fui junto, larguei faculdade, larguei tudo, dei pause na vida e segui a esposa pra Holanda. Ia dar certo? Não sabia. Valeria a pena? Não sabia. (Hoje eu sei, mas na época não).
Passada a euforia inicial, deu uma depressão: o que eu vou fazer da minha vida? Mas depressão forte. Estava tendo dificuldade pra me adaptar a um novo país e uma nova vida, ainda mais sem um propósito claro.
Ninguém gosta de ficar parado.
A Carla me disse: essa é a sua chance de mudar de área, aproveite. Faça algo… faça um site! Seu irmão ganha dinheiro com um site.
Eu não sei fazer isso, pensei. Fiquei chateado, comecei a inventar desculpas para falhar: eu não sei fazer, tem que investir muito tempo, a maioria das vezes nào dá certo…
Aí olhei pro blog que criamos só pra falar da nossa vida na Holanda pra amigos e família e…
No mesmo dia sentei no Google e digitei: ‘how to make money online with a blog”. Estava embarcando em mais uma viagem que iria mudar (de novo) minha vida).
Comecei a ler e escrever, ler e escrever, noite adentro, dia após dia.
6. As decisões da sua vida se conectam – mesmo que você não veja isso na hora
Os seis meses de projeto foram estendidos para um ano, estávamos pimpões e contentes e aí veio a crise mundial de 2008. BUM! Bem na nossa cara.
Ainda bem que resolvemos adiantar nosso plano… se tivéssemos esperado mais um ano, sentados na segurança do piloto automático, certamente seria mais difícil de ter conseguido com a crise em seu auge.
Estão vendo um padrão? Todas as decisões da sua vida são conectadas – mesmo que você não veja isso na hora.
7. Hora de se comprometer em uma decisão e deixar de ter um pé lá e um aqui
Com a crise, o projeto foi minguando. Hora de decidir: ficar ou voltar. Até então tava fácil: apesar de ser teoricamente uma desvantagem, o lance do projeto ser temporário nos dava segurança: poderíamos voltar sem muito esforço e sempre teríamos uma explicação razoável para não ter dado certo.
“Ah, o projeto acabou”.
Se decidíssemos ficar, teríamos que apostar todas as fichas, assumir claramente o que queríamos e, se não desse certo, não teria muita saída honrosa: investimos e falhamos e teríamos que encarar isso. E, sério, quem quer encarar isso?
E como queríamos ter filhos, havia outras coisas a considerar: queremos criá-los em outra cultura, uma que nenhum dos dois tem ligação, longe da família estendida, falando nativamente uma língua que nós nunca seremos nativos?
Queremos?
Hora de o blog virar renda a sério, para poder pagar as contas – a mordomia do projeto pagando as despesas já era. E se eu fosse procurar emprego tradicional, teria de desistir do meu projeto de viver de escrever e não poderia ficar com os filhos – creche seria a única solução e escrever seria só um hobby.
Hora de apostar todas as fichas.
Apostamos.
Carla arrumou emprego numa empresa na Holanda e o Ducs começou a dar dinheiro.
Iríamos ficar.
8. Sorte é se preparar, se expôr e agir quando surgir a oportunidade; sorte não é algo passivo
Hoje estamos em Amsterdam, temos dois filhos, eu cozinho todo dia, escrevo no blog que é minha fonte de renda (e ganho mais do que ganhava no meu emprego CLT, mesmo corrigindo pra inflação e levando em conta progressão na carreira), a Carla trabalha numa empresa de renome, e seguimos nossa vida.
Foi sorte que moramos na Holanda? Foi sorte que eu posso viver de blog trabalhando durante a noite e ficar com os filhos em casa (e isso quer dizer trabalhar o dia todo)?
Claro que temos sorte de termos nascido em lares que nos deram educação, carinho, apoio, de existir esse projeto, de eu nunca ter passado fome, de eu ter a Carla e ela a mim, de tudo isso e muito mais.
Mas sorte não é só esperar sentado reclamando que os outros conseguiram algo que gostaríamos de ter, como se o mundo nos devesse algo e não estivesse entregando.
Pensar em explicações de porque as coisas não estão acontecendo é natural – ah, me falta tempo pra aprender isso, se ao menos eu tivesse um companheiro, o problema é que…
O problema é que é incerto, arriscado, difícil, trabalhoso pra todo mundo. Eu não aprendi a blogar de um dia pro outro, a Carla não aprendeu inglês de um dia pro outro, tudo isso custou tempo e dinheiro, nós não sabíamos viver em outra cultura e quebramos a cara muitas vezes (e ainda quebramos, acredite), eu tive problemas de saúde, o blog quase fechou um par de vezes.
Mas continuamos. Tivemos sorte?
Se não tivéssemos investido lá no começo sem saber ao certo o que poderia acontecer, se falássemos “oh, só seis meses, não vale a pena ir pra logo voltar”, se tivéssemos resolvido esperar mais um aninho ignorando os sinais, se eu não tivesse passado anos aprendendo a fazer blog noite adentro, se tivéssemos ficado parados, se não tiéssesmos apostado um no outro, nós não teríamos tanta sorte.
Amigos, sorte é uma Dama caprichosa e ocupada, na maioria absoluta das vezes não faz visita a domicílio. Você tem que ir lá fora procurar mesmo.
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